sábado, 1 de junho de 2013

Com a história presa nos dentes

Pesquisadora Tereza Mendonça estuda saúde bucal de soteropolitanos ancestrais
Elói Corrêa / Agência A Tarde
Meire Oliveira, do A Tarde
Qual seria o tipo de alimentação, a forma de higiene bucal, as doenças ocupacionais e as sexualmente transmissíveis (DSTs) dos nossos antepassados que viviam por aqui no século XVIII e XIX? Estas são algumas das informações descobertas a partir de análise de 90 indivíduos da Salvador Colonial, de um total de 400 descobertos na escavação feita em 1998, e que tiveram seus corpos enterrados sob a antiga Igreja da Sé (demolida em 1933).
A conferência “Sé Primacial do Brasil: Vestígios da Ancestralidade Negra a partir de estudos dos remanescentes esqueletais humanos”, apresentada pela cirurgiã-dentista e coordenadora do laboratório de antrobiologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal da Bahia, Tereza Cristina Mendonça, acontece nesta sexta-feira, 28, na sede da Amafro, às 18 horas.
A cobertura de asfalto e concreto não encobre o movimento que é tão intenso, como na parte superior, como as revelações de um passado recente, porém frágil, testemunha de uma organização social e cultural que espera para ser descoberta. Informações capazes de remontar a história de vida de atores na formação da atualidade baiana.
O estudo “Evidências Arqueológicas da Saúde Bucal de dois grupos populacionais da Salvador Colonial” foi concluído em 2006. Por meio da arcada dentária foi detectada que “a maior incidência de cáries, nos 90 indivíduos, é um indício do consumo de carboidratos fermentáveis, de fácil retenção nas superfície dentária”, disse Tereza. A base foram os marcadores osteológicos, que consistem em registros nos ossos que permitem a recomposição da história de vida do indivíduo (osteobiografia). “Eles atuam como memória das circunstâncias que afetaram o indivíduo, sendo possível identificar sua dieta alimentar e patologias”, explicou. Por exemplo, as marcas, vistas a olho nu, deixada pela sífilis.
Na época da escavação realizada pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Ufba em 1998, as evidências separam em dois grupos os esqueletos encontrados. Os enterrados no adro (de forma aleatória, amontoada) ou no interior da igreja (de forma arrumada), apontando para segmentos sociais diferenciados. Nos esqueletos no interior do templo, o desgaste maior nos dentes da frente está associado ao tipo de consistência da dieta e padrão de higiene. “A comida dos escravos muitas vezes era jogada no chão, misturada com areia. Então a abrasão pode ter servido tanto para o desgaste”, lembrou.
Mas a abrangência da área é bem maior. De onde vieram? A procedência étnica? Quem eram? Sexo? A idade? Como eram? Cor da pele? O que comiam? O que aconteceu com eles? Como morreram, identificando a doença, se for o caso? Tipo de enterro e status social? Os rituais do culto afro-brasileiro?
Enfim, como foi a vida dessas pessoas, será o propósito na elaboração da tese doutorado em Antropologia Biológica que a pesquisadora pretende iniciar, este ano, na Universidade de Coimbra, Portugal. “O estudo de DNA ancestral permite extrair informações do individuo em sua totalidade e instigam a várias análises com o intuito de remontar o modo de vida”.
Apesar da importância, as futuras descobertas estão ameaçadas. A vaga do doutorado está garantida, mas Tereza não sabe como fará para suprir as necessidades que devem girar em torno de R$ 300 mil reais entre hospedagem, bibliografia (rara no Brasil), equipamentos de análise e passagem. “Já era para ter viajado, mas consegui adiar para agosto. Desta vez tenho que ir”.
De posse dessas informações é o momento de ir mais fundo no assunto, reconstruir o passado através da identidade dos antepassados. É o que espera o doutorando em História Social Jaime Sodré. A possibilidade de reconstruir as tradições religiosas da época, fazer correlações de rituais e a possibilidade de descobrir cultos anterior ao terreiro fascina o estudioso.
Ao ver as imagens dos dentes com deformações, a memória do historiador o leva ao que já ouviu sobre práticas em rituais. “Tem muita história para se conhecer. É essencial saber como tudo isso acontecia, as práticas religiosas da época, pois elas se modificam, e como eram esses indivíduos, para escrever nossa memória”.
O interesse da pesquisadora, em associar a saúde com a antropologia, partiu do mestrado em saúde coletiva, orientado pelo professor doutor Carlos Caroso, diretor do museu de arqueologia e etnologia da UFBA, abrigo do material ósseo da antiga igreja.

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